“Mas a Salete se foi não como uma vela que se apaga. A Salete se foi como uma espiga de milho, que se arranca todos os grãos, como uma espiga de milho que se parte, e quando a gente parte uma espiga de milho, o que acontece com os grãos? Eles saltam por aí. E foi isso que aconteceu com a morte da Salete, ela se esparramou, ela virou um montão de sementes, que são vocês, que somos nós.”
Depoimento
feito por Janaina Strozake durante visita realizado pela família Strozake ao Colégio
Iraci Salete em 18 de outubro de 2024
Com 16 dezesseis anos, Salete assumiu a escola da ocupação, lá onde hoje é o Assentamento Imbauzinho, em Ortigueira, a gente tinha ocupado a fazenda, e montamos a escola da forma que deu, só tinha um montão de crianças, e vocês sabem que os Sem Terra da década da década de 70 e 80, a gente era um povo sem escola, sem letramento, nossos pais estudaram até o 4º ano, muita gente. O “normal" era estudar até o quarto ano, então a Salete que era a pessoa que tinha começado apenas a estudar o segundo grau, era a pessoa mais escolarizada da ocupação, e ela assumiu pra ela, naquela idade, falou:
“_
Eu organizo a escola, e eu vou dar aula a todas as crianças”. Então
era uma turma multisseriada, de 1º ao 4º ano, 60 crianças do acampamento, dentro
de um barracão que tinha lá na fazenda que ocupamos, que era uma escola
precária. Houve uma luta para que aquela escola fosse reconhecida, a qual se
tornou ESCOLA DE EMERGÊNCIA CARMELIA II, e esse foi o nome dado pela
prefeitura.
Eu fui aluna da Salete, e
ela organizou várias práticas pedagógicas interessantes que hoje em dia, 40
anos depois dizem que são inovadoras. Por exemplo: a gente construiu a horta na
escola e vinham nossos pais e mães ensinar a gente a fazer a horta, por que é
isso, é o coletivo educador, não é somente o professor ou professora em sala de
aula que educa, todo o coletivo se educa, nos educamos uns aos outros, os
motoristas, as merendeiras, a pessoa da limpeza, os estudantes, todo mundo
contribui no nosso processo educativo, todo mundo aprende e ensina.
Outra coisa muito legal, que
a gente fez, foi um livro, a Salete passou pra nós a tarefa de catalogar
flores, ervas, árvores, chás, toda matéria biológica que tivesse, e a gente
organizou um livro, colando as flores, as folhas, catalogando, identificando, escrevendo
para que servia, qual era a utilidade, entrevistando pais, mães, avós, todo
mundo que tinha conhecimento. E a gente fez um livro como a gente pode fazer,
colando as folhas e costurando o livro.
Então foram inovações
metodológicas da pedagogia que uma criança de 16 anos, por sua dedicação, e por
sua experiência de luta e por estar atenta as necessidades da comunidade, por
estar atenta a história aos conhecimentos que tinham dentro do nosso
acampamento conseguiu ir fazendo, e foi o acampamento dentro da escola e a
escola dentro do acampamento, essa foi a nossa formação.
E a partir daí a Salete foi
assumindo mais tarefas. Teve um período em Cuba estudando, voltou de Cuba,
continuou na educação, mas também na Frente de Massas, em outras atividades que
o movimento demanda, por que essa também é uma beleza do MST, a gente planta, a
gente colhe, a gente ocupa, a gente faz pesquisa, a gente estuda, a gente dá
aula, a gente inventa novidades, a gente faz saúde, a gente faz comunicação,
existe espaço para todo tipo de conhecimento e pra todo tipo de prática, isso é
importante dentro dessa construção da pessoa omnilateral, a gente não se dedica a uma única coisa.
E eu tô abrindo isso só pra
lembrar de quando foi a fazenda Guairacá, para contar outra anedota da Salete.
La perto de Londrina, o
despejo foi violentíssimo, muitas pessoas apanharam muito, muitas pessoas foram
torturadas, e quando terminou o despejo todas as famílias daquela ocupação
foram esparramadas pelas região, a polícia foi levando as famílias para lá e
pra cá, foi esparramando as famílias, e a Salete desapareceu. Ninguém sabia
onde a Salete estava, ninguém viu, todo mundo procurando pelo Paraná inteiro,
cadê a Salete? ninguém viu, e começou a se organizar correntes de orações,
temos que encontrar a Salete, cadê a Salete? procuramos no hospital. Até que
quatro dias depois, fomos descobrir que a Salete estava presa em Londrina.
Tinham carregado ela, metido
no camburão levado pra delegacia e não tinham avisado ninguém, e a Salete
agradeceu muito claro, felizmente a encontramos bem, sã e salva, e disse que
foi a primeira vez, fazia muito que ela não dormia tanto tempo, que ela não
descansava tanto tempo, como nesse período que ela ficou na cadeia,
desaparecida sem dar notícias. Felizmente ela foi encontrada naquele momento e
voltou pra gente.
E a Salete ela conseguiu
desenvolver nela mesma, como exemplo, isso também ela tentava transmitir nos
espaços que ela estava atuando, que aquilo que Lênin, o Lenin e a Salete, o que
que a Salete era muito boa, o Lênin fala que todos nós aqui, para a gente se
empenhar na luta de classes, para gente pensar em ter vitória, como a conquista
da Araupel aqui, nós precisamos dentro desse nosso coletivo desenvolver algumas
habilidades, uma delas é a gente ser um agitador popular, a gente tem que fazer
agitação de propaganda.
- todo munda já fez
pichação? Vai lá na cidade e pinta no muro, põe lá – Lula lá, ou em fim,
Reforma Agrária Já!, Fora Araupel, enfim aquilo que a gente precisar denunciar
e anunciar, tem que ser agitador popular, montar a rádio, escrever o jornal,
publicar coisas, agora tem rede social – usar com responsabilidade essas redes
sociais.
A gente tem que ser
organizador, organizadora, nós temos que se organizar em coletivos, nós temos
que fazer as coisas de modo organizado, nós temos que ter uma organicidade,
como a gente chama no MST.
A gente precisa ser
analista, a gente tem que ler o jornal, a gente tem que saber das notícias, a
gente tem que saber o que acontece na região, a gente tem que saber como vai a
eleição, a gente tem que saber os programas de governo, a gente tem que saber
como está a situação desse assentamento, nós temos que analisar, conhecer e
analisar como isto impacta em nossas vidas, e a partir daí que ações precisamos
tomar.
E a gente precisa ser
formador, formadora, por que é isso, nós estamos constantemente aprendendo e
ensinando, e a gente para formar, para ser formador, nós temos que estudar,
temos que ler muito, ler sempre, não parar nunca, estudar sempre, mesmo que a
gente esteja fora da escola, a gente não para de estudar, a gente continua
estudando, a gente continua pesquisando.
E a Salete foi tudo isso, a
Salete foi tudo isso na vida dela.
Para terminar falamos de
vocês agora:
Eu achei muito legal que
todo mundo aqui falou: “_ Eu sou a Salete”. E a Salete a gente sente essa
falta, por que ela foi muito jovem, ela faleceu com 27 anos. Quanto mais a
Salete podia ter nos dado? Quanto mais a Salete podia ter alimentado a nossa luta
e os nossos saberes e a nossa experiência com quem ela era? Mas ela se foi
muito cedo.
Mas a Salete se foi não como
uma vela que se apaga. A Salete se foi como uma espiga de milho, que se arranca
todos os grãos, como uma espiga de milho que se parte, e quando a gente parte
uma espiga de milho, o que acontece com os grãos? Eles saltam por aí. E foi
isso que aconteceu com a morte da Salete, ela se esparramou, ela virou um
montão de sementes, que são vocês, que somos nós.
Então quando cada um aqui,
cada uma aqui, diz eu sou a Salete, vocês estão assumindo um compromisso, um
compromisso. Cada um, cada uma de vocês. Um compromisso com estudar, um
compromisso com conhecer a história e preservar a memória, um compromisso com a
luta de classes que nós temos que fazer, e a extrema direita está avançando,
está avançando forte. Então precisamos se comprometer em lutar contra as
opressões, lutar contra o machismo, construir igualdade, estudar sempre, e
fazer a luta de classes, que sempre é dura, até nossa vitória. Até que nossa
classe trabalhadora vença, esse é o compromisso que nós temos, e esse é o
compromisso que vocês têm, por que vocês também são Salete.
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Texto transcrito por LADISLAU, R.L. - Relato de Janaina Strozake.


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