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terça-feira, 22 de outubro de 2024

Iraci Salete Strozake: Nossa grande educadora


  “Mas a Salete se foi não como uma vela que se apaga. A Salete se foi como uma espiga de milho, que se arranca todos os grãos, como uma espiga de milho que se parte, e quando a gente parte uma espiga de milho, o que acontece com os grãos? Eles saltam por aí. E foi isso que aconteceu com a morte da Salete, ela se esparramou, ela virou um montão de sementes, que são vocês, que somos nós.”

Depoimento feito por Janaina Strozake durante visita realizado pela família Strozake ao Colégio Iraci Salete em 18 de outubro de 2024

 

Com 16 dezesseis anos, Salete assumiu a escola da ocupação, lá onde hoje é o Assentamento Imbauzinho, em Ortigueira,  a gente tinha ocupado a fazenda, e montamos a escola da forma que deu, só tinha um montão de crianças, e vocês sabem que os Sem Terra da década da década de 70 e 80, a gente era um povo sem escola, sem letramento, nossos pais estudaram até o 4º ano, muita gente. O “normal" era estudar até o quarto ano, então a Salete que era a pessoa que tinha começado apenas a estudar o segundo grau, era a pessoa mais escolarizada da ocupação, e ela assumiu pra ela, naquela idade, falou:

“_ Eu organizo a escola, e eu vou dar aula a todas as crianças”. Então era uma turma multisseriada, de 1º ao 4º ano, 60 crianças do acampamento, dentro de um barracão que tinha lá na fazenda que ocupamos, que era uma escola precária. Houve uma luta para que aquela escola fosse reconhecida, a qual se tornou ESCOLA DE EMERGÊNCIA CARMELIA II, e esse foi o nome dado pela prefeitura.

Eu fui aluna da Salete, e ela organizou várias práticas pedagógicas interessantes que hoje em dia, 40 anos depois dizem que são inovadoras. Por exemplo: a gente construiu a horta na escola e vinham nossos pais e mães ensinar a gente a fazer a horta, por que é isso, é o coletivo educador, não é somente o professor ou professora em sala de aula que educa, todo o coletivo se educa, nos educamos uns aos outros, os motoristas, as merendeiras, a pessoa da limpeza, os estudantes, todo mundo contribui no nosso processo educativo, todo mundo aprende e ensina.

Outra coisa muito legal, que a gente fez, foi um livro, a Salete passou pra nós a tarefa de catalogar flores, ervas, árvores, chás, toda matéria biológica que tivesse, e a gente organizou um livro, colando as flores, as folhas, catalogando, identificando, escrevendo para que servia, qual era a utilidade, entrevistando pais, mães, avós, todo mundo que tinha conhecimento. E a gente fez um livro como a gente pode fazer, colando as folhas e costurando o livro.

Então foram inovações metodológicas da pedagogia que uma criança de 16 anos, por sua dedicação, e por sua experiência de luta e por estar atenta as necessidades da comunidade, por estar atenta a história aos conhecimentos que tinham dentro do nosso acampamento conseguiu ir fazendo, e foi o acampamento dentro da escola e a escola dentro do acampamento, essa foi a nossa formação.

E a partir daí a Salete foi assumindo mais tarefas. Teve um período em Cuba estudando, voltou de Cuba, continuou na educação, mas também na Frente de Massas, em outras atividades que o movimento demanda, por que essa também é uma beleza do MST, a gente planta, a gente colhe, a gente ocupa, a gente faz pesquisa, a gente estuda, a gente dá aula, a gente inventa novidades, a gente faz saúde, a gente faz comunicação, existe espaço para todo tipo de conhecimento e pra todo tipo de prática, isso é importante dentro dessa construção da pessoa omnilateral, a gente não se dedica a uma única coisa.

E eu tô abrindo isso só pra lembrar de quando foi a fazenda Guairacá, para contar outra anedota da Salete.

La perto de Londrina, o despejo foi violentíssimo, muitas pessoas apanharam muito, muitas pessoas foram torturadas, e quando terminou o despejo todas as famílias daquela ocupação foram esparramadas pelas região, a polícia foi levando as famílias para lá e pra cá, foi esparramando as famílias, e a Salete desapareceu. Ninguém sabia onde a Salete estava, ninguém viu, todo mundo procurando pelo Paraná inteiro, cadê a Salete? ninguém viu, e começou a se organizar correntes de orações, temos que encontrar a Salete, cadê a Salete? procuramos no hospital. Até que quatro dias depois, fomos descobrir que a Salete estava presa em Londrina.

Tinham carregado ela, metido no camburão levado pra delegacia e não tinham avisado ninguém, e a Salete agradeceu muito claro, felizmente a encontramos bem, sã e salva, e disse que foi a primeira vez, fazia muito que ela não dormia tanto tempo, que ela não descansava tanto tempo, como nesse período que ela ficou na cadeia, desaparecida sem dar notícias. Felizmente ela foi encontrada naquele momento e voltou pra gente.

E a Salete ela conseguiu desenvolver nela mesma, como exemplo, isso também ela tentava transmitir nos espaços que ela estava atuando, que aquilo que Lênin, o Lenin e a Salete, o que que a Salete era muito boa, o Lênin fala que todos nós aqui, para a gente se empenhar na luta de classes, para gente pensar em ter vitória, como a conquista da Araupel aqui, nós precisamos dentro desse nosso coletivo desenvolver algumas habilidades, uma delas é a gente ser um agitador popular, a gente tem que fazer agitação de propaganda.

- todo munda já fez pichação? Vai lá na cidade e pinta no muro, põe lá – Lula lá, ou em fim, Reforma Agrária Já!, Fora Araupel, enfim aquilo que a gente precisar denunciar e anunciar, tem que ser agitador popular, montar a rádio, escrever o jornal, publicar coisas, agora tem rede social – usar com responsabilidade essas redes sociais.

A gente tem que ser organizador, organizadora, nós temos que se organizar em coletivos, nós temos que fazer as coisas de modo organizado, nós temos que ter uma organicidade, como a gente chama no MST.

A gente precisa ser analista, a gente tem que ler o jornal, a gente tem que saber das notícias, a gente tem que saber o que acontece na região, a gente tem que saber como vai a eleição, a gente tem que saber os programas de governo, a gente tem que saber como está a situação desse assentamento, nós temos que analisar, conhecer e analisar como isto impacta em nossas vidas, e a partir daí que ações precisamos tomar.

E a gente precisa ser formador, formadora, por que é isso, nós estamos constantemente aprendendo e ensinando, e a gente para formar, para ser formador, nós temos que estudar, temos que ler muito, ler sempre, não parar nunca, estudar sempre, mesmo que a gente esteja fora da escola, a gente não para de estudar, a gente continua estudando, a gente continua pesquisando.

E a Salete foi tudo isso, a Salete foi tudo isso na vida dela.

Para terminar falamos de vocês agora:

Eu achei muito legal que todo mundo aqui falou: “_ Eu sou a Salete”. E a Salete a gente sente essa falta, por que ela foi muito jovem, ela faleceu com 27 anos. Quanto mais a Salete podia ter nos dado? Quanto mais a Salete podia ter alimentado a nossa luta e os nossos saberes e a nossa experiência com quem ela era? Mas ela se foi muito cedo.

Mas a Salete se foi não como uma vela que se apaga. A Salete se foi como uma espiga de milho, que se arranca todos os grãos, como uma espiga de milho que se parte, e quando a gente parte uma espiga de milho, o que acontece com os grãos? Eles saltam por aí. E foi isso que aconteceu com a morte da Salete, ela se esparramou, ela virou um montão de sementes, que são vocês, que somos nós.

Então quando cada um aqui, cada uma aqui, diz eu sou a Salete, vocês estão assumindo um compromisso, um compromisso. Cada um, cada uma de vocês. Um compromisso com estudar, um compromisso com conhecer a história e preservar a memória, um compromisso com a luta de classes que nós temos que fazer, e a extrema direita está avançando, está avançando forte. Então precisamos se comprometer em lutar contra as opressões, lutar contra o machismo, construir igualdade, estudar sempre, e fazer a luta de classes, que sempre é dura, até nossa vitória. Até que nossa classe trabalhadora vença, esse é o compromisso que nós temos, e esse é o compromisso que vocês têm, por que vocês também são Salete.


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Texto transcrito por LADISLAU, R.L. - Relato de Janaina Strozake.




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