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sexta-feira, 10 de junho de 2022

Carta de José Martí a sua esposa Carmen de Mantilla e a seus filhos

Baracoa, Cuba, 16 de abril de 1895.

 

Carmita querida e meus filhos:

Escrevo-lhes após ter chegado a uma praia de pedras e de espinhos. Éramos seis e estamos a salvo neste acampamento feito entre palmeiras e plátanos. No caminho recolhi para ti, Carmita, a primeira flor, e para Maria e Ernesto, pedras coloridas; as recolhi como se fosse vê-los logo, como se não me esperasse esta lona mas sim a casa, aconchegante e generosa, que sempre tenho diante de meus olhos.

É muito grande, Carmita, minha felicidade. Sem ilusões nem alegria egoísta, posso dizer-te que cheguei à minha natureza mais plena, e que a dignidade que vejo em meus companheiros e a honra de estarmos lutando pelos nossos direitos, me envolve como uma doce embriaguez. Somente a luz é comparável a minha felicidade. Porém a todo instante estou vendo teu rosto, piedoso e sereno, e aproximo meus lábios da face das crianças, quando amanhece, quando anoitece, quando me aparece no caminho uma flor, quando vejo a formosura destes rios e montes, quando bebo, fincado na terra, a água clara do arroio, quando fecho os olhos, contente de mais um dia em liberdade. Vocês me acompanham e me rodeiam; os sinto, calados e vigilantes, ao meu redor. A mim só vocês me faltam mas a vocês, o que faltará? De cada angustia, de cada ansiedade, de cada medo, como estão se salvando? Como repor a ajuda que não estou podendo lhes dar? Cuba já tem escrito seus nomes com meus olhos em muitas nuvens do céu e em muitas folhas de árvores.

Meu sentido de homem útil faz ainda maior o pesar de não estar com você Carmita, com vocês meus filhos. Recordarão vocês de mim com a mesma veemência e lealdade com que eu os recordo?

Ah, Carmita, se me visses por estes caminhos, contente e pensando em ti, com um carinho mais suave e forte do que nunca, querendo colher para ti, sem correio que possa mandá-las, estas flores de estrelas, molhadas e brancas, que crescem aqui nestes montes...

Vou bem carregado, minha querida, com meu rifle ao ombro, meu facão na cintura, um grande tubo com os mapas de Cuba, nas costas minha mochila, com remédios, roupa, uma rede, livros, e no peito, o teu retrato.

O papel está acabando e o correio não pode ir muito pesado. Escrevo com todo o sol sobre o papel. Vejam-me vivo e forte, e amando mais do que nunca aos companheiros de minha solidão e medicina de minhas amarguras. Daqui não temam. As dificuldades são grandes mas os que hão de vencê-las, também. Manoel, trabalha. Carmita, escreva para mamãe. Carmita e Maria, minhas filhas, se eduquem para a escola. Uma palmeira e uma estrela vi lá no alto, sobre o monte, ao chegar ontem aqui. Como não haveria de pensar em vocês meus filhos, e em você, querida, ao ver o límpido céu da noite cubana? Queiram bem ao seu

 

                                                                                                       Martí.

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